Detalhes do Produto
- Editora: Rui Costa Pinto Edições
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- Ano: 2018
- ISBN: 9789898325617
- Número de páginas: 94
- Capa: Brochada
Sinopse
(...) “A Sede” está cheia destas parábolas que humanizam a natureza ou que naturalizam o homem. O homem-peixe que se algema todas as noites dentro do aquário num espectáculo de ilusionismo que procura molhar a sede eterna, uma sede de Tântalo. O homem-ulmeiro que colocou um sofá dentro do tronco do ulmeiro amigo. O homem-sol que, depois de abraçar a árvore, sente que o arbóreo abraço é demasiado sufocante, abraço constritor de jibóia; assusta-se, mas logo descobre que a árvore só “tinha adormecido agarrada a ele”. É impossível não ficar rendido à ternura desta passagem, até porque é uma ternura depurada e oferecida na dose certa: mais uma linha e a autora ter-se-ia atolado no melaço lamechas como um animal na areia movediça.
Estas metáforas têm uma linguagem concreta, estão encostadas à precisão cirúrgica dos sonhos. Por vezes, até dá a impressão de que Susana Martins passou a papel químico alguns dos seus próprios sonhos. Talvez o mais notável destes (hipotéticos) palimpsestos é o poema “Litoral”: “Deus construiu-me um cadeirão no meio das ondas (...) Do meu cadeirão no meio das ondas, / construído por Deus, / vejo tudo / E estou lá sempre. / De lá dou sugestões a quem me construiu o cadeirão. / Que nunca me ouve, /nem quando digo que / O mar é do melhor que já inventaste”. É preciso grandeza para imaginar alguém falando com Deus a partir de um trono que flutua como uma jangada perdida nas ondas. Não é esta uma metáfora perfeita do temor do crente perante o mistério de Deus?
Tal como “Êxodo”, o livro anterior da autora, “A Sede” tem o seu coração numa preocupação cívica da autora. Se “Êxodo” está marcado pelo drama actual dos refugiados, “A Sede” está marcada pelo fantasma da falta de água do nosso futuro próximo. Mas repare-se que nada aqui é panfletário ou chato. Susana Martins usa a preocupação humanitária como a fogueira que aquece o essencial: a poesia que há-de sobreviver à sua chama inicial. No futuro, quando os nossos filhos viverem num mundo normal e não num deserto apocalíptico, a nossa preocupação com a água será incompreensível ou uma preciosidade arqueológica. No entanto, os melhores poemas de “A Sede” continuarão a fazer sentido, continuarão a ser parábolas sobre a condição humana. (...)
(Excerto do Prefácio de Henrique Raposo)
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