Luís Ochoa
Cada um carrega o seu vício mais íntimo, o seu abismo, a sua doença secreta, o seu álcool – eu, não sei se como perversão ou mania natural, carrego este: o de não escrever biografias com o detalhe que lhe assiste, isto, como quem relata datas, nomes, feitos. O que tenho como verdadeiramente meu são apenas invisibilidades: gestos imprecisos que trepam pelos dias sem deixarem pegadas claras no chão da história. A minha biografia, habita numa zona entre o vivido e o sentido, entre a realidade concreta e a memória imaginada – uma biografia obscuramente real. E esta é a minha tendência natural, porque sempre me confundiram as normalidades do mundo. Toda a acção da Terra não passa, para mim, de registos vadios da consciência a mover a corpo, e uma alma. E esta, a alma, sim, esta veste as páginas que escrevo, um qualquer registo intemporal da existência, inscrição daquilo que só mais tarde se chamará de vida. Por isso, o que posso dizer aqui, sob a máscara desta biografia, é apenas isto: uma espécie de verdade emocional, subtil, intensa – um rasto que talvez um dia se fixe no grande livro da minha existência, isto é, o espírito. Até lá, sou apenas fragmento, espelho, intervalo.