«Oscilando entre a angústia da fugacidade do tempo e a tragédia da repetição, as
personagens de
Céu em Fogo
abismam-se fatalmente no tédio e, numa luta penosa - que é também um confronto fascinado
com a morte -, tentam inventar maneiras de o vencer.»Do
Prefácio
de Maria Antónia Oliveira
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Mário de Sá-Carneiro
Poeta e ficcionista, com Fernando Pessoa e Almada Negreiros, Mário de Sá-Carneiro constitui um dos principais representantes do Modernismo português. Partindo para Paris, em 1912, para cursar Direito, estudos que abandonaria pouco depois, a figura de Mário de Sá-Carneiro assume uma importância basilar para a compreensão do modo como o Modernismo português se foi formando com caracteres próprios na recepção das correntes de vanguarda europeias, processo de que a correspondência que estabeleceu com Fernando Pessoa dá um testemunho documental precioso e que culminaria com a publicação de Orpheu, em 1915. Os poemas que edita no primeiro número de Orpheu, destinados a Indícios de Oiro, são, a este título, significativos da sua adesão às estéticas paúlica e sensacionista, que na correspondência entre os dois grandes poetas fora gerada, glosando, então, em moldes muito devedores do simbolismo-decandentismo, a abjecção de um eu em conflito com um outro, reverso da sua frustração e insatisfação ("Eu não sou eu nem o outro, / Sou qualquer coisa de intermédio: / Pilar da ponte de tédio / Que vai de mim para o Outro", "7"), ao mesmo tempo que a publicação de "Manucure", no segundo número de Orpheu , revela uma incursão por uma forma poética mais próxima da escrita da vanguarda futurista, no que contém de autonomização do significante. Já antes de Orpheu, a colaboração de Mário de Sá-Carneiro na revista Renascença (1914) - onde Fernando Pessoa publica Impressões de Crepúsculo -, com a publicação de Além (apresentado como uma tradução portuguesa de certo Petrus Ivanovitch Zagoriansky), instituíra a sua experiência poética na charneira entre a herança simbolista e as tentativas paúlicas e interseccionistas. Mário de Sá-Carneiro constitui ainda um paradigma da prosa modernista portuguesa pela publicação das narrativas Céu em Fogo e A Confissão de Lúcio, construídas frequentemente a partir do estranhamento de um narrador insolitamente introduzido em situações onde o erotismo, o onirismo, o fantástico, se associam aos temas obsessivos do desdobramento e autodestruição do eu. O seu suicídio, com 26 anos, parecendo vir selar aquele sentimento de inadaptação à vida, de permanente incompletude, de narcísico auto-aviltamento e, sobretudo, de consciência dolorosa da irremediável cisão do eu, consubstanciada na dramática tensão entre um eu, vil e prosaico, e um outro, seu duplo ideal, que alimentaram tematicamente a obra, nimbou-o para a posteridade de uma aura de poeta maldito, que deixaria um forte ascendente sobre a poesia contemporânea de gerações posteriores à sua. Com efeito, a mensagem poética do autor de Indícios de Oiro ecoa postumamente na literatura presencista da geração de 50 e até surrealista, passando por nomes absolutamente diversos como Sebastião da Gama, Mário de Cesariny ou Alexandre O'Neill, entre muitos outros.
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