Palude é uma palavra que, nas línguas francesa e também portuguesa, designou
em tempos passados — e nunca com muita popularidade — aquilo a que hoje
chamamos vulgarmente «pântano».
André Gide estava no seu sexto livro; tinha vinte e seis anos de idade e escrevia a sua primeira sotia — seriam na sua
obra três — lembrando-se com esta palavra arcaica das peças medievais assim chamadas e que parodiavam de forma estouvada,
ou mesmo enlouquecida, realidades familiares aos seus populares espectadores.
1895 foi também o ano em que ele saiu de uma determinante viagem à África do Norte, onde cedeu pela primeira vez
à sua verdade sexual; também o ano em que se casou com a sua prima Madeleine Rondeaux (um casamento «branco») e teve
o enorme transtorno sentimental provocado pela morte da sua mãe. São factos que não devem ser esquecidos se quisermos
perceber o abalo interior que agudizou a sua percepção dos intelectuais parisienses, o seu cansaço perante o vazio que
tinha à sua volta, um mundo de estilizadas vaidades e com a futilidade
«pantanosa» que o incitou às metáforas virgilianas de Paludes.
[…]
O Tityre de André Gide vive numa torre circundada por campos
pantanosos, mas para encarnar como metáfora actores que representam
a intelectualizada e vácua monotonia dos salões parisienses
do final do século XIX; propõe-se como personagem central da história
de um homem que não pode viajar, que vive num campo de
lamas e lodos (o Paris dos intelectuais) e nenhum esforço faz para
sair de lá. O autor identifica este Tityre consigo próprio (no livro,
o único Tityre consciente da sua tityrização) e com todos os que
giram à sua volta, literatos vazios e cheios de uma retórica fútil, os
frequentadores do salão de Angèle, a única figura feminina que surge
com presença física no livro e não podemos deixar de associar a
Madeleine Rondeaux, a que já era então sua mulher na vida real,
sendo a isto levados por duas frases: — Dormir à casa da Angèle.
Digo à casa e não com ela, uma vez que nunca ultrapassámos pequenos
e anódinos simulacros. E mais adiante: Não somos desses de onde
nascem, cara amiga, os filhos dos homens.
[Aníbal Fernandes]
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André Gide
PRÉMIO NOBEL DA LITERATURA 1947
Escritor francês nascido a 22 de novembro de 1869, em Paris, e falecido a 19 de fevereiro de 1951, também na capital francesa.
André Gide foi criado no seio de uma família abastada e educado de uma forma muito puritana. Sentiu alguma dificuldade em ter sucesso nos estudos devido à sua saúde débil. Contudo, desde cedo mostrou apetência para a Literatura e a Poesia e, com apenas vinte anos, começou a publicar textos, bastante puritanos, em revistas escolares. Com 22 anos, publica o seu primeiro livro, Les Cahiers d'André Walter, totalmente financiado por si, mas o qual não assinou. A obra, que havia começado a escrever aos 18 anos, não conheceu grande sucesso, mas atraiu a atenção de escritores como Marcel Schwob, Rémy de Gourmont, Maurice Barrés e Maurice Maeterlinck. Nesta altura, Gide era uma artista do Simbolismo, tendência que deixou em 1895, quando publicou Paludes.
Só a partir de 1897, quando editou Nourritures Terrestres, é que André Gide começou a ser encarado como um verdadeiro escritor. Nesta obra, defendeu a doutrina do hedonismo ativo, ou seja o prazer como bem supremo. Desde então, o autor dedicou-se a examinar os problemas da liberdade individual e da responsabilidade, tendo entrado por vezes em conflito com a moralidade convencional.
Em 1909, Gide foi um dos fundadores da revista literária Nouvelle Revu, que se viria a tornar bastante influente no meio.
Tornou-se o mentor de toda uma geração que, na sequência da Primeira Guerra Mundial, se preocupava em conciliar a lucidez da razão com as forças instintivas.
Com Les Caves du Vatican, de 1914, Gide foi pela primeira vez acusado de ser anticlerical. Um ano após a sua morte, em 1952, o Vaticano incluiu todas as suas obras no Índice de Livros Proibidos.
Entre 1920 e 1924, publicou as suas memórias, onde revelou a sua homossexualidade. Em 1925, lançou aquele que foi considerado um dos seus melhores romances, intitulado Les Faux-Monnayeurs, onde o protagonismo foi dado à juventude parisiense, inclusivamente através de homossexuais, delinquentes e mulheres adúlteras.
André Gide passou entretanto a ocupar diversos cargos públicos, tanto a nível local como internacional. As suas deslocações ao Congo, Chade e União Soviética inspiraram alguns dos seus livros. Depois de se ter assumido como comunista, a visita à União Soviética deixou-o bastante desiludido e rompeu com o comunismo.
Entre 1939 e 1951, decidiu escrever e publicar os seus diários, onde falava de si e também dos seus amigos e de outros escritores.
Entretanto, em 1947 recebeu o Prémio Nobel da Literatura.
André Gide também escreveu peças de teatro no início do século XX e fez traduções de obras de William Shakespeare.
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