José Marins Garcia reúne uma superior qualidade de escrita a um profundo sentido de observação e a uma densa cultura plural, o que lhe permite juntar num todo coerente o estilo, a procura da forma adequada a cada situação, a necessidade de interlocução e a captação crítica do real. Por aquele, ora toca mesmo traços do discurso modernista, ora se entrega à narrativa mais canónica, dando-nos então o sabor da ironia que deixa transparecer em “Antifábula”, onde podemos ler «por isso gosto é de contar histórias […], agredir a fixidez frita das ideias com esse movimento marítimo que está no cerne da narrativa» (…) José Martins Garcia toca de passagem o absurdo, quase numa procura do surreal, quando escreve Transigência e critica, sarcástico, a Humildade, oferecendo-nos a figura do «celibatário da consciência». Na fritura da humanidade, inscreve Adolfo Hitler e volta a jogar com o absurdo convocando agora o leitor a percorrer o labirinto dos sentidos, das convicções e dos compromissos, levando-o até à beira da Revolução, «forçando-o» aí a ser parte. Receitas Para Fritar A Humanidade abre com “Augúrio” e termina com “Pátri”a. De ambos os textos, ressalta a capacidade narrativa- crítica do autor, acabando o leitor tentado a uma interpretação que os ligue sequencialmente, como se todos os restantes constituíssem o miolo de uma obra que nasce e renasce entre o início e o seu final.
Álvaro Laborinho Lúcio (do Prefácio)
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José Martins Garcia
osé Martins Garcia nasceu na Criação Velha, ilha do Pico, a 17 de Fevereiro de 1941. No então Liceu Nacional da Horta fez uma parte dos seus estudos. Os bons resultados escolares deram-lhe acesso a uma bolsa da Junta Geral, o que lhe permitiu completar o curso liceal no Liceu Pedro Nunes, em Lisboa, cidade onde se licenciou em Filologia Românica pela Faculdade de Letras.
No ano lectivo de 1964-65 foi professor eventual no Liceu da Horta. Chamado a cumprir serviço militar, em 1965, foi mobilizado para a Guiné, aí permanecendo de 1966 a 1968, experiência que se projecta em Lugar de Massacre (1975), um dos primeiros romances portugueses a abordar a guerra em África, incluído por Rui de Azevedo Teixeira no grupo dos oito romances obrigatórios, canónicos, da literatura da Guerra Colonial. Essa experiência acabaria por pontuar, sob diversas formas e em diferentes circunstâncias, o conjunto da sua obra.
Entre 1969 e 1971 foi leitor de Português na Universidade Católica de Paris. De regresso a Portugal, leccionou na Faculdade de Letras de Lisboa entre 1971 e 1979. Neste ano rumou aos Estados Unidos como professor visitante da Brown University (Providence), aí permanecendo até 1984; o rasto desse tempo americano é detectável em Imitação da morte e no livro de poemas Temporal.
De seguida ingressou na Universidade dos Açores, onde se doutorou com uma tese sobre Fernando Pessoa, Fernando Pessoa: «coração despedaçado», escrito precisamente durante a sua permanência nos Estados Unidos e graças às condições de investigação aí encontradas, como o próprio autor confessa na apresentação da obra; a tese representa a sucessiva expansão de um projecto inicial de recensão crítica a um livro sobre o poeta dos heterónimos. Na Universidade dos Açores foi o responsável pela introdução da cadeira de Literatura Açoriana nos planos curriculares das licenciaturas em Línguas e Literaturas Modernas, da qual foi docente durante alguns anos, e ocupou os cargos de Vice-Reitor e director da revista Arquipélago-Línguas e Literaturas, tendo terminado a sua carreira académica como Professor Catedrático.
A sua relação com a imprensa de Lisboa está atestada pela colaboração no suplemento Letras e Artes do jornal República (1972-1974), onde publicou uma boa parte das críticas e ensaios reunidos em Linguagem e Criação (1973), bem como as crónicas de Katafaraum é numa nação (1974). Entre 1973 e 1974 foi ainda crítico literário da Vida Mundial; colaborou igualmente n’A Capital e no Diário de Notícias, prolongando-se a colaboração neste último até Fevereiro do ano seguinte. Em Fevereiro de 1976 passou a exercer as funções de director-adjunto do Jornal Novo.
A partir do início dos anos setenta, como refere Ricardo Jorge, José Martins Garcia torna-se «um dos mais assíduos colaboradores de Fernando Ribeiro de Mello nas Edições Afrodite», onde, aliás, publicou parte da sua obra, a começar por Alecrim, alecrim aos molhos (1974) e a prolongar-se em obras de referência como Lugar de Massacre (1975), A fome (1977) e Revolucionários e Querubins (1977). Além disso, a sua colaboração com Fernando Ribeiro de Mello traduziu-se na escrita de prefácios, na organização de antologias e na tradução, substituindo, com as devidas distâncias, «a conterrânea Natália Correia como referência literária da Afrodite», na opinião de Pedro Piedade Marques.
José Martins Garcia faleceu em Ponta Delgada a 3 de Novembro de 2002.
A Companhia das Ilhas começou a publicar em 2016 as suas obras completas.
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